D-TEA: autonomia e personalização para alfabetização de crianças autistas

Leticia Viegas
6 min readMay 31, 2023

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Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, também são chamadas de Atípicas por possuírem algumas habilidades especiais. Não existe um sinal aparente, muito menos características físicas que definem seu perfil, como vemos na Síndrome de Down. Com o avanço dos estudos no campo da psicologia infantil, tornou-se possível mapear a idade com a qual os primeiros sinais se apresentam. A maioria dos diagnósticos hoje em dia são obtidos a partir dos 3 anos, etapa em que a parte comunicacional da criança já deve estar desenvolvida.

Quando se apresentam dificuldades ou ausência da fala, problemas na socialização e falta de atitudes espelhadas (não responde a brincadeiras de imitar), é um sinal para os pais ficarem atentos e solicitarem a opinião de um profissional da área. Além das citadas, outras limitações que se apresentam forte na comunicação da criança autista são falta de atenção, ausência de resposta a contato visual, sensibilidades a sons altos ou texturas, dentre outros. Poderia ser descrito como um tipo de personalidade, com costumes característicos e sensibilidades sensoriais, podendo apresentar em alguns níveis, dificuldades no desenvolvimento cognitivo ou motor (GRANDIN;PANEK, 2015; ORTEGA, 2009).

A educação hoje é, majoritariamente, estruturada para um ensino massificado e voltado para pessoas que não estão no espectro do autismo. Nem todos se encaixam no modelo universal projetado, e, aqueles que não se adequam nessa estrutura, são vistos como atrasados e seus pontos fortes se tornam desvantagens para seu desenvolvimento escolar (PACHECO; SILVA, 2017).

A inclusão é o rompimento de barreiras em relação à aprendizagem, participação e socialização, e suas implicações não devem se restringir apenas às “instalações físicas” (N/A: no caso das pessoas com deficiências), mas nas propostas pedagógicas, metodológicas e administrativas.

Entendendo que as crianças autistas precisam aprender de uma forma um pouco diferente em relação às crianças típicas, foi necessário encontrar uma metodologia educacional voltada para este público especificamente, que guia a forma de ensinar do dispositivo. O sucesso do DIR/Floortime está na capacidade do adulto em avaliar a tendência da criança para esta ou aquela brincadeira, se reponde desta ou daquela forma, de perceber o que dá prazer e o que dá desprazer, o que ela repele, ou seja, de orientar a criança a partir dos próprios sinais que ela oferece ao longo do processo terapêutico.

SOBRE A PERSONA

O estudante autista é muito agitado dentro de sala, seu tempo sentado é reduzido quando comparado às demais crianças, por apresentar dificuldades de concentração e atenção durante as atividades. Normalmente, consegue se comunicar com as pessoas ao redor, porém, seu processo de aprendizagem leva um tempo diferente e necessita de ferramentas diferentes. Abaixo é possível acompanhar no board um pouco de quem é a nossa persona, a criança autista.

Board da Persona 1 — Estudante Autista

Seu papel dentro da Jornada do Usuário caberá em iniciar a rota de aprendizado e executar as atividades propostas, podendo participar — caso haja interesse e seja inserida — no processo de análise de seus próprios resultados de desenvolvimento e do planejamento de novas propostas de estudo.

Jornada do Usuário

Para compreender os requisitos necessários para a construção do dispositivo, foram entrevistados 10 pais e profissionais em um primeiro questionário aplicado, todos relataram que suas crianças são capazes de se comunicar, estão entre os níveis leve e moderado e não sentem a necessidade de utilizar a PECS (Picture Exchange Communication System), uma pasta com figuras construída e adaptada a partir das necessidades básicas de cada criança para que ela possa se expressar.

Junto com as entrevistas, foram feitas pesquisas bibliográficas que ajudaram a compor a tabela de requisitos, com as indicações de todas as sensibilidades destas crianças e as ferramentas que auxiliam no engajamento da mesma ao D-TEA:

Requisitos

Voltando à Jornada do Usuário apresentada lá em cima, no momento em que a pessoa entrar no dispositivo — quando no papel de pai/responsável/terapeuta -, terá a opção de realizar o seu cadastro profissional, incluindo seus dados pessoais, uma imagem caso queira, gerando o seu perfil. Ela terá a opção de navegar no dispositivo, com o intuito de se familiarizar com os diversos caminhos que ele tem para oferecer. O passo seguinte, é cadastrar o estudante que ele irá guiar durante as atividades.

Anamnese

Dentro do cadastro deste estudante, além de adicionar as informações pessoais de cada um, fará a anamnese do mesmo. Nesta anamnese a nossa Terapeuta Ocupacional indicará os gostos e sensibilidades da criança, além de informar suas habilidades e formas de interação. Anamnese concluída, a rota será carregada e sugerida e ela — a pessoa responsável pela análise do estudante — ocupará a partir de então o papel de acompanhante apenas, dentro da jornada de aprendizado.

Anamnese Educacional

Quando a rota for concluída e os objetivos diários finalizados, será gerado um relatório sobre o desenvolvimento da criança na execução das tarefas. A intenção do relatório é indicar em quais atividades ela foi melhor, quais necessitarão de repetição, quais os assuntos que ela já domina e quais precisarão de reforço. Com essas informações em mãos, a nossa TO (Terapeuta Ocupacional) finaliza sua jornada dentro do dispositivo, para poder reajustar os métodos utilizados focando nas necessidades imediatas da criança.

Exemplo de Atividade

Na jornada do estudante, compreendemos que existe uma limitação, ele será a pessoa que de fato vai utilizar mais o dispositivo, porém tem uma maior probabilidade de ser uma criança que não detém autonomia, por não saber ler. Ela está precisando de mais apoio que as crianças com um grau de autismo mais leve ou que as crianças neurotípicas para executar atividades, logo, ela não será capaz de construir um perfil próprio ou fazer a própria anamnese, ela irá jogar!

Para a construção do Sistema de Tomada de Decisão em si, determinamos que seria necessária uma estrutura de Sistema Aberto, onde haveria um momento de entrada de informações (input), que se cruzaria com um momento de saída (output), montando assim um perfil. Este perfil sinaliza as sensibilidades e habilidades do estudante, por exemplo. Quando analisamos as 40 respostas do segundo questionário aplicado, conseguimos ver as similaridades entre os perfis que selecionaram opções iguais ou próximas, e assim construir um tipo de perfil que possui uma sensibilidade X e tende a ter um gosto Y.

Testamos essa possibilidade a partir de uma média ponderada aplicada em um planilha do excel preenchida com as respostas dadas pelos entrevistados (figura abaixo), conseguimos computar o total de respostas e apontar qual o maior número dentre os “gostos” e qual o maior número dentre as “sensibilidades”. Com esta base de dados, calculamos uma possibilidade média de acertar uma sugestão quando, por exemplo, pegamos uma criança que tem sensibilidade à iluminação e sugerimos a ela atividades que envolvam pintura ao invés de animações (figura abaixo).

Exemplo de teste aplicado ao Excel

Da mesma forma, testamos o perfil de um aluno que aponte mais de uma sensibilidade como iluminação e interrupção de anúncios, segundo a aplicação da nossa fórmula ele pode gostar de atividades com animais. A intenção é sugerir personagens e figuras que lhes agradem e não lhes cause qualquer tipo de indisposição.

Assim construímos o produto final, que é o protótipo do Sistema de Tomada de Decisões, D-TEA. A intenção desta pesquisa e do resultado da mesma é ser capaz de auxiliar de alguma forma a comunidade autista, que por muito tempo não obteve visibilidade, nem auxílio e com as movimentações dos próprios pais e pesquisadores interessados, puderam por em prática mais projetos de auxílio.

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Leticia Viegas

UX Designer, mestranda em Design da Informação. Comunicadora e Podcaster. Enfim…O Podcast